sexta-feira, 30 de julho de 2010

Pensamentos soltos, bastantes plágios e... Inherit the wind!

Pensamentos soltos, bastantes plágios e... Inherit the wind!

Desde que JS e ML se embrenham e acorrentam mais e mais na floresta da sétima arte, acorrem-me ideias soltas: ficção, realidade, ciência, polémica, etc., avulso, ou concatenadas...
Esta é uma delas, até de madrugada!
A 25 de Setembro de 1866, nascia o brilhante geneticista estadunidense Thomas Hunt Morgan, cujos notáveis trabalhos sobre a genética da mosca do vinagre, “Drosophila sp”, lhe valeram o Prémio Nobel da Medicina em 1933. Morgan reparou que o padrão de hereditariedade da cor dos olhos acompanhava o do cromossoma X. Sugeriu, então, que o gene da cor dos olhos estava ligado a este cromossoma X. As características de Mendel, que aprendemos no liceu estavam – praticamente – achadas. O mapa genético nascia tímido, mas pronto a crescer. Era o começo da sua elaboração.
Como se sabe o ácido desoxirribonucleico (ADN) é constituído fundamentalmente por quatro bases azotadas.
Diariamente, cada célula do corpo perde espontaneamente cerca de 10.000 bases e muitas células estão, nessa altura, em fase de divisão e, portanto, a copiar o seu ADN -replicação do ADN -. Em cada cópia existe a possibilidade de erro. E além destes erros espontâneos, o ADN está constantemente a ser agredido. Estima-se que 80 a 90 por cento de todos os cancros tenham origem em lesões produzidas por estas agressões ao ADN. Se estas, porque são frequentes, continuassem, as mutações aumentariam exponencialmente a probabilidade de se contrair tumores, não existindo mecanismos celulares capazes de corrigir os erros introduzidos. E, aqui, o optimismo é grande. E crescente.
Já lá vai meio século que o modelo da dupla hélice do ADN, enquanto transformava a linguagem vulgar em terminologia da aristocracia biológica pelo nascer da nova semântica de replicação, transcrição, tradução, expressão, entre muitos outros conceitos, conseguia fazer realidade o pensamento de Freeman Dyson em “Imagined words”: “a ciência é o meu território; mas a ciência-ficção é a paisagem dos meus sonhos”. Porque desses sonhos - reconstrução de velhos mitos - vividos há apenas umas quantas décadas, passou-se à realidade dos territórios da ciência e da técnica dos nossos dias.
O tema é por demais excitante para continuar um pouco mais na incursão pelo inebriante historial do ADN. A estrutura química do ADN em dupla hélice, descrita por James Watson e Francis Crick em 1953, laureados com o Prémio Nobel da Medicina em 1962, conduziu a magníficos resultados capitalizados pela actual bioengenharia, que tem como substrato os métodos do ADN-recombinante. A este propósito ou a talhe de foice, se preferirem, o “alteplase”, por exemplo, um agente trombolítico usado para “dissolver” trombos coronários em situações de enfarte agudo do miocárdio, além de fibrinolítico, é não antigénico, porque é sintetizado pelo ADN-recombinante, tecnologia que “mimetiza” o activador do plasminogénio tecidular normalmente segregado pelas células endoteliais humanas. Isto porque a bioengenharia é capaz de criar novas espécies vegetais e animais, e, inclusivamente quimeras de animais (animais compostos por células de duas ou mais proveniências genéticas diferentes) bem próximas das ficções antigas, isto é, da mitologia clássica, onde a quimera era um animal fabuloso, um misto de leão, serpente e cabra, ou do mito do Minotauro (um monstro que tinha corpo de homem e cabeça de touro). A bioengenharia permite modificar as propriedades e até a forma dos organismos com fins clínicos, agrícolas ou industriais. Digamos, é capaz de proporcionar a terapia génica, incluindo o repto das doenças multigénicas, a manipulação, a pedido, da esterilidade das sementes de plantas, a transferência de núcleos na qual se fundamentam as técnicas de clonagem (allo, Doly! Mééééé ). A vinculação de genes específicos ao padecimento de doenças – o macaco tetra - e a tentativa de aplicação de nova linguagem aos computadores - já não binária, mas apoiada na linguagem do ADN, com um alfabeto de quatro bases - aliadas à conjunção da informática com a genómica, irão gerar novos produtos com aplicações diversas nas áreas da biotecnologia e da medicina.

Relacionada, ainda, com esta questão científica, que preocupa a grande maioria dos viventes, está a senectude, que começa quando principiamos a morrer espontaneamente. Para um biólogo, por exemplo, a senectude implica a ausência ou falência na replicação do AND; a célula não se pode dividir e morre espontaneamente. Os sistemas de transcrição estão alterados, num contexto complexo que talvez seja consequência da biologia geral desta etapa. Neste processo de envelhecimento geral estão patentes uma regeneração lenta, uma transcrição, uma actividade e uma capacidade lentas da célula para produzir proteínas.
Todavia, possuímos enzimas de manutenção que continuamente detectam a ocorrência de defeitos, corrigindo-os. Os mecanismos de reparação e manutenção são espantosamente eficazes. Sabe-se que os genes são trechos do ADN que codificam proteínas específicas. E, apesar de no genoma humano existirem, repito, três mil milhões de pares de bases nos genes, as enzimas de manutenção e reparação apenas não conseguem corrigir falhas de emparelhamento de três bases, o que é algo de espantoso. São capazes de "cortar" o ADN e preencher os espaços incompletos com as bases correctas que faltavam, garantindo-se, assim, a fidelidade das cópias. Já no seu romance “T Zero”, Ítalo Calvino mostra-nos a função que cumpre esta base de dados arrecadada nos assombrosos microchips cromossómicos quando nos conta: “... Contar a minha história e a de Priscila quer dizer em primeiro lugar definir as relações que se estabelecem entre as minhas proteínas e as de Priscila, sejam tomadas separadamente ou no seu todo, dirigidas tanto as minhas como as dela por ácidos nucleicos dispostos em séries idênticas em cada uma das suas células e em cada uma das minhas”; excerto literário que bem poderia recopiar o argumento do chamado “dogma central” da biologia molecular, ao estabelecer que a informação contida no ordenamento dos três mil milhões de unidades químicas no ADN humano - base material dos cromossomas e, portanto, dos genes, suas porções funcionais - se expressa sob a forma de proteínas dotadas das mais variadas funções, tais como: a de catalisadores, de defesa e, até, a de suporte ao amor de Priscila.
O ”dogma central” da biologia molecular é uma presunção de Watson, que atribuía ao ADN, toda a responsabilidade e todo o protagonismo na formação de proteínas, isto é: o ADN faz o ARN produzir proteínas! Secundarizava, pois, o papel do ARN. Veio a descobrir-se, posteriormente, que os retrovírus punham em causa este “dogma”.
Numa representação simbólica em que o cenário fosse uma biblioteca de ADN, aos Cromossomas, a cada filamento de ADN e aos genes poderia fazer-se corresponder as estantes, um livro e os capítulos, respectivamente. Diferem, pois, nas suas dimensões, o que não os impede de repartirem o segredo das suas funções com o ordenamento das suas quatro únicas unidades: as quatro bases de nucleótidos com que se escreve o código genético (adenina-A, guanina-G, timinaT e citosina-C), que formam o seu alfabeto.
Sem formalismos, concedamos: orientar-se dentro da longa molécula de ADN humano à procura dos genes responsáveis por doenças hereditárias é tarefa extremamente complexa. É como visitar um país, melhor, um continente às cegas.
Mais: o gene p53 é aquele que nos últimos anos tem concitado maior atenção. O p53 é um regulador das perturbações da proliferação. Na presença de uma lesão do ADN, ocorre uma estimulação da proteína p53 que diz à célula que morra, ou sintetize mais p21 que, por sua vez, diz à célula que diferencie, ou pare o ciclo celular e a síntese de ADN. Quer dizer: ao promover a sequência da morte celular, isto é, ao obrigar a morrer as células que não consegue reparar - apoptose celular - impede uma proliferação não regulada do ADN.

Para reflexão: "os fumadores com cancro na cavidade oral têm mutação do p53, o mesmo não acontecendo com os não fumadores". Conhecem certamente o epílogo da história clínica do "Homem do Marlboro (...)!
O fumo do tabaco engravida a voz, isto é, torna-a mais grave (!...).
Pois bem. O p53 é o gene supressor tumoral mais mutado em todos os cancros humanos. Cerca de pelo menos 75% dos cancros humanos têm mutação da proteína p53 que desempenha um papel fulcral na homeostase celular porque reconhece as alterações ao nível do ADN.
Continuando, o projecto do genoma humano nunca esteve quieto, mas sim nervoso e pujante. Como o sonho, pula e avança. Já lá vai a célebre experiência com ervilhas, levada a cabo pelo monge austríaco JG Mendel, em 1865, que marca o princípio da genética:” Talvez haja mais alguma coisa do que parece nas ervilhas! Talvez elas contenham instruções ocultas que nem sempre revelam o que dizem; uma ervilha redonda poderia conter escondido em si própria a instrução para as rugas”. Mendel sugeriu que tanto o pólen como o óvulo eram portadores de uma partícula (hoje chamada gene) que continha o código da forma da ervilha ao reproduzir-se.
O virar deste milénio trouxe de bandeja aos caçadores de genes de doenças hereditárias humanas, a possibilidade de disporem oficialmente de um "mapa de estradas" bem sinalizado, com a totalidade dos cromossomas humanos. Contudo, mapear não significa descodificar, e, até conhecermos todas as interacções e implicações deste complexo e admirável mundo novo, “é vindima!...”
Existem muitos genes, e conhecê-los-emos todos. Estaremos, assim, por dentro de um gene a fazer a leitura da sequência do ADN, e, com isso, teremos a certeza do gene implicado na doença. Estamos, pois, cada vez mais perto das fontes da vida. A luta continua! A vida continua! Com ou sem genocracia, com ou sem abutres a afivelar a máscara para o negócio na saúde!...
Em jeito de flash de frescura, pode dizer-se que a era dos estudos de associação de genoma completo (genome-wide association studies [GWAS]) já aqui está, e no curto lapso de 5 anos o seu rendimento prolífico foi extraordinário Os GWAS serão provavelmente um marco da ciência no século XXI, tal como o foi o Projecto Genoma Humano no século XX. O desenho dos GWAS proporciona uma abordagem não enviesada para localizar nos mapas cromossómicos as variantes genéticas de risco frequentes.

As versões cinematográficas – e foram várias - a tratar o tema da evolução biológica e do criacionismo, têm aparecido progressivamente menos nos ecrãs de cinema. Talvez porque estejamos mais tolerantes, mais cordatos e mais francos e empáticos. Pena é, que as referidas versões não tenham sido substituídos por uma crescente discussão dos problemas ambientais e das alterações climatéricas que lhe estão inerentes.

Neste contexto, talvez por gostar muito do actor Spencer Tracy - lembro-me de O Velho e o Mar, entre muitos filmes em que participou -, “Inherit the Wind” é o título de um filme realizado em 1960 nos E.U., que tem por argumento o ditado: quem arruína a sua casa herdará o vento. Baseado num caso real ocorrido em 1925, conhecido por “Monkey Trial”, no qual um professor de ciências de Tennessee, John Scopes fora preso acusado do crime de ter exposto as teorias evolucionistas do Estado. Numa comunidade religiosa Americana, um professor de Ciências é preso por ensinar aos seus alunos a teoria da Evolução das Espécies proposta pelo naturalista Charles Darwin, contrariando uma das leis locais que não permite o ensino de disciplinas opostas ao Criacionismo. Daí, trava-se no tribunal, por meio de dois grandes advogados, interpretados por Spencer Tracy e Fredric March, um grande embate ideológico que envolve toda a comunidade local e seus princípios religiosos. Este filme, aquece a nossa opinião com diálogos pertinentes e perspicazes, e apesar de antigo, mostra-se ainda actual, quando, aqui e ali, vemos alguém no seu fervor religioso protagonizar episódios medievais e intolerantes, movido pelo fanatismo fundamentalista, mesmo com todo o avanço do pensamento tecnológico e a liberdade de expressão que vivemos hoje em dia. Durante o julgamento, que durou onze dias e foi o primeiro a ser transmitido por rádio, a defesa foi impedida pelo juiz de apresentar cientistas como testemunhas em favor da teoria da evolução.
Scopes solicitou deliberadamente a manutenção da prisão, para tentar provar que a lei era injusta. E o veredicto virou causa nacional. O famoso advogado Henry Drummond vai fazer a defesa de Scopes, agora com o nome de Bertram Cates; um político fundamentalista, Matthew Brady, tinha a cargo a parte acusatória. O defensor, protagonizado por Spencer Tracy, disse: “... O progresso nunca foi um tratado. Há que pagar por ele. Às vezes penso num homem por detrás de um espelho que nos diz: muito bem, pode você ter o telefone, mas deverá sacrificar a intimidade, o encanto da distância... Caro Senhor, pode você, conquistar o ar, mas os pássaros perderão a sua magia e as nuvens cheirarão a gasolina!”.

A gasolina cheira o recente desastre ambiental causado pela maré negra no Golfo do México, causado pela explosão da plataforma subaquática Deep Horizont. Mas pode, também, favorecer uma tomada maior de consciência sobre os perigos relacionados com a dependência do petróleo e que nos ajude a dar conta de que temos de deixar os combustíveis fósseis trocando-os pelas alternativas mais amigas do ambiente, bem como repensar a forma como exploramos os oceanos, como afirma Philippe Cousteau, neto do célebre explorador francês Jacques-Yves Cousteau.
Como rebusco de todo o anterior, é de esperar e prevenir que esses cromossomas, carregados de tanta e poderosa magia, que deslumbram todo aquele que tiver a felicidade, como T H Morgan com as moscas-das-frutas, de os surpreender na intimidade dos momentos da divisão celular, maravilha da natureza, nos desvendem e proporcionem mais e mais informação para a cura das doenças e bem-estar físico, e menos pivete a petróleo na bolsa de Nova Iorque, com vendas às empresas farmacêuticas por quantias astronómicas.

Sempre que a expressão audiatur et altera pars, que significa “ouça-se também a outra parte”, tiver eco, o contraditório e "associações sem fins lucrativos, independentes e sem qualquer vínculo político-partidário, que tenham como missão divulgar boas práticas e propor soluções inovadoras, através de contribuições interdisciplinares de mulheres e homens de bem, que acreditam que a liberdade cria espaço para a criatividade, o mérito e a responsabilidade", estaremos no bom caminho, e aptos para não julgar o livro pela capa!

Ponho ponto final parafraseando Freeman Dyson em “Infinito em todas as direcções”, Gradiva, 1990, quando escreve: “Deus não é omnisciente nem omnipotente. Aprende e cresce à medida que o universo se expande. Não pretendo compreender as subtilezas teológicas a que esta doutrina conduz se a analisar em pormenor. Considero-a meramente congenial e consistente com o senso comum científico. Não faço nenhuma distinção clara entre a mente e Deus. Deus é aquilo em que a mente se transforma quando esta passa para além da escala da nossa compreensão”.

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