segunda-feira, 29 de março de 2010

Tragicomédia ao retardador
Na noite de 25 para 26 de Novembro de 1967 registou-se, na região de Lisboa, precipitação intensa e concentrada, tendo atingido, na estação de São Julião do Tojal, no concelho de Loures, 111mm em apenas 5 horas (entre as 19h e as 24 h do dia 25). As estações da região de Lisboa registaram, nesta data, cerca de um quinto do total da precipitação anual.

Sábado 25 de Novembro de 1967. Pairava no céu de Lisboa um negrume carrancudo e intimidante: o fim de época outonal, o País de Camões e das Uvas e, mormente, esse dia que se arrastava e agastava deprimente e tristonho. A prol de Fernão Capelo Gaivota, irrompia do nada, às centenas, aos milhares, em bandos em que sobressaía o branco e o preto: aves marinhas de elite em algazarra humana, permanente. Não se cansava de evoluções aéreas sobre o Tejo, ora agrupada para acrobacias ou rituais baléticos, ora a solo, planando, infatigável, sem barreiras, num crescendo elegante, inspirada no bolero de Ravel, em bolina horizontal tête-à-tête ao vento, ora ziguezagueando, ora em voos rasantes de cálculo preciso, ora subindo ao reino das nuvens aonde, sem artifícios, o homem só chega com o olhar: seres voadores livres e indiferentes a qualquer tormenta. O anticiclone dos Açores agachara-se um pouco a norte da sua posição média habitual para a época do ano e permitia escapadelas, em latitudes relativamente baixas, de depressões carregadas de tempo. A esta condição somavam-se, então, alterações meteorológicas excepcionais, com a formação rápida de uma célula depressionária a partir da Ilha da Madeira, culpa da gota de ar frio que ai se aninhara em altura, na explicação dos meteorologistas. Em Lisboa, pairavam no ar fortes evidências e sérios sinais de alerta de mudanças de tempo em curso, de respeito. Daí a constatação do barómetro em baixa, num prenúncio de mau augúrio, com indícios de agravamento progressivo das condições atmosféricas, pela aproximação da depressão vinda de oeste, do Mar Oceano, onde enchia os odres de água, a caminho da capital Lisboa, substituindo os Velhos Aguadeiros. Mas, ao invés destes que se faziam anunciar por pregões: “Há água fresquinha! Quem quer, quem quer?”, o temporal metamorfoseava em pregoeiros diferentes formas de se anunciar: as cores do arco-íris, a carantonha de aspecto pardacento de chumbo do horizonte e nuvens que cobriam o céu carregadas de luto pesado; o vento a refrescar e a levantar saias desprevenidas e, por último, o dilúvio no lombo dos mais incautos, o que acontecia com frequência.
Cerca das dezanove horas do citado dia, um pequeno grupo de raparigas e rapazes começáva a descer as escadas da Cervejaria Restaurante Odeon, à esquina da Rua dos Condes com a Rua das Portas de Santo Antão: em frente ao Ateneu Comercial de Lisboa.
Orimar, rapaz de pedigree não fidalgo mas de cavalheiro, ex- rambo e defensor de oprimidos; estupendo organizador de encontros e tertúlias de amigos – até de inimigos: é justo dizê-lo só para valorizar o quilate de negociador e gestor de encontros e desencontros, que este inteligente amigo do peito possuía -, tinha convocado esse grupo de companheiros (lato senso), para um jantar convívio no citado restaurante. Seria um pequeno rancho de oito a dez convivas: muito mais por amizade e muito pouco, mesmo nada, de engate. Correu tudo muito bem: boa e sã camaradagem; amizade e boa disposição; escrita em dia; um ou outro delírio intelectual, uma ou outra escapadela até às origens.
O jantar foi divertido, como sempre e a ementa, desta vez, boa, deliciou os presentes com um venerado e opíparo bacalhau à cebolada, bem regado com néctar apaladado, seguramente da Casa José Maria da Fonseca, com sofreguidão, como de costume! O bacalhau à cebolada foi pretexto para incursão literária pela obra De Eça de Queiroz, guru dos bons pratos e dos bons vinhos. O calor da conversa e o aconchego da companhia ancoraria aí os visados até ao fecho da casa de pasto, não fora o facto de, já passando das dez da noite, os empregados pedirem para que se abreviassem as conversas e o pagamento da conta, e que saíssem ligeirinhos porque a água começava a querer inundar a sala do restaurante, o que viria a acontecer. Comprovados os factos pela sua evidência - a água escorria livremente degraus a baixo e, além do mais, enferruja! - pagaram a conta, levantaram-se e, embora tivesse pairado colectivamente a ideia de se poder prolongar o convívio em qualquer local de diversão nocturna, tão pronto acabaram de subir as escadas e, já ao ar livre, constataram, sem margem para dúvidas, de que chovia torrencialmente e a rua se havia convertido em rio de alagada que estava. Os azeites de São Pedro desmotivaram o grupo para qualquer incursão na noite e, assim, despediram-se até uma próxima tertúlia, com saudade e alguma ansiedade na vizinhança do bolso esquerdo do forro do casaco. Veio à baila o velho refrão de que só vem à lembrança Santa Bárbara quando...: os guarda-chuvas ou impermeáveis eram escassos; só o precatado Zénite é que se fazia cobrir por uma espécie de criolina. Pediram táxis por grupos, de que estiveram à espera, cedendo a primazia aos mais necessitados... e às donzelas. Lembra-se, um ou outro, apesar de a cabeça voltear já ao ritmo de carrossel de feira, que um pequeno grupo se unia em triângulo: Mestre Zénite, Silvino e Ferreira. - Aonde vamos ficar? - algum deles terá perguntado. A oferta foi recíproca e espontânea: elegeram Xabregas, por sentimento romântico e oportunidade rara, a bordo do bacalhoeiro Bissaya Barreto. - Fantástico! - Disse Zénite. - E vós tendes autonomia para que nos sintamos à vontade? - Volvia Zénite prudente. - Ele é o dono! - Tranquilizava Silvino - E que não fosse!, ele com um arême resolve tudo! - E assim pôs ponto final em qualquer indecisão. - Táxi!, Cais de Xabregas, sff -. Sorvidos na noite mal iluminada afastaram-se sem enxergar um palmo à frente do nariz, tal o embaciamento dos vidros do Mercedez Benz verde-preto de mudanças ao volante, e pela escassa visibilidade que o limpa pára-brisas deixava escapar ao ritmo de farol de navegação. O táxi seguia em cadência lenta, ensopando tudo e todos próximos à sua corrida.
Chegados ao cais de Xabregas o taxista não queria levá-los junto ao barco porque o Tejo ameaçava galgar o molhe, e o cais estava cheio de charcos. Insistiram e acabou por ceder às suas súplicas. O táxi partiu e a chuva continuou a cair com intensidade.
Subiram o portaló do navio e foram directos à sala de jantar dos oficiais, e aí se distribuíram em jeito de estado-maior, para aclarar ideias. Zénite gostou do aconchego das madeiras e do cuidado com que o verniz se exibia; havia ali um subtil ambiente Indiano que provocava algum espanto por se tratar de navio de pesca! As baixelas eram de prata e a despensa, pouco farta ainda – porque faltava um mês para zarpar, na circunstância de Setúbal depois de carregar sal -, tinha o suficiente para calar o rato ao estômago e um pouco mais.
A presença de um piano faria o local paradisíaco e daria azo a exibições esplendorosas e extrovertidas tão caras a Zénite. Mesmo assim, o mergulho na noite foi de cabeça!

Mestre Zénite desde tenra idade se afeiçoou aos barcos e à navegação fosse ela fluvial (dos Armadores: Lombudo ou Redes) embrião modelar para a produção pictórica do Essor – pelo menos!-, entre outros: um primor, assim se considera.
Codessais, sua terra de nascimento faz parte da margem fluvial, que fica bem próxima da praia da galinheira, tinha todos os ingredientes para ser um bom ministro da “marinha”, como fora Quintanilha Mendonça, não fora um chamamento genético, quase predestinação para as “Belas” Artes. Todavia, a paixão pelo desporto náutico ficou-lhe para sempre entranhada e viva, ainda que tivesse corrido Seca e Meca, onde poderia ter perdido para sempre a alma e o apego telúrico a Codessais e aos barcos.
Além da chancela genética do professor Artur Maria Afonso, a fisionomia de Zénite, exibe caracteres que oscilam um pouco entre os de Yves Montand e os de Jaques Brel, com a incrustação de uns incisivos à Tony Blair.
Zénite começou por recordar o ambiente do jantar, o sucesso das últimas exposições, nomeadamente o Prémio Nacional de Pintura (1967) e muitas estorinhas cheias de fina piada, apimentadas por criatividade loquaz; a teoria da relatividade, Agadir e “Vive la France”!
Falou do mar; lembrou um pequeno barco à vela, presumo “snipe”, quando fora estudante no Porto: muitas lembranças, muitas aventuras, muitas tiradas de bom e inteligente humor.
Zénite, romântico incurável, muito influenciável e influenciado pela “Casa Lopes” (isso já é matéria para outra estória!), falou: do bom relacionamento com o seu amigo musicólogo Morais a propósito da traição e desgosto do alfaiate Albatroz (outra estória requintada!); do episódio de baptismo de seu irmão mais novo, a quem seu pai, o poeta Afonso, daria o nome sui generis de Lereno (Lerano…, Larano..., Leiranco…, para alguns...); das orações de sapiência tidas e achadas com mestre Nená Bicha e com outros intelectuais do Largo das Freiras; dos contactos nocturnos (outra estória…) com o grande arquitecto dos costumes: Argentino Galego.
Zénite além de vegetariano era e é abstémio; já os outros lados do triângulo humano dessa noite: Silvino e Ferreira, não vos digo nada… água nem para lavar os dentes, pelo que os tira-gosto sucediam-se a bom ritmo! Assim, entre scoch, tinto da Bairrada e bebidas deslavadas de tão brancas (leite; água com limão, etc, tudo coisas que fazem inchar...) do gosto de Zénite, foi-se hidratando o corpo, com salgadinhos à mistura, e algum isquinho de peguilho!

Pires Silvino prendeu-se mais a elocuções empolgantes da literatura clássica tendo puxado da cartola de filósofo tão viva a tinha nessa altura. Resumo aquela que me ficou na lembrança:
- …Talvez o lendário Herman Melville se aproxime, também bastante, desta problemática. Não pelo desejo de vingança de perseguir a Baleia Branca que o mutilara e o lançara na aventura de obcecadamente a perseguir e matar. Apesar de tudo, não. A sua visão dos terrestres é absolutamente sincera, exacta, a preto e branco. Acab, o emblemático capitão, anseia redimir o mundo redimindo-se a si mesmo. Para Melville o mar é só um meio, um cenário onde arrumar devidamente as coisas. Não como em terra, onde um qualquer se pode esconder atrás das mais variadas formas ou cores: médico, informático, juiz, promotor de vendas, professor, locutor, pintor, escritor, economista, corretor, padeiro... Para Melville não. Só tem sentido ser homem do mar e pagar o preço disso. Acab persegue a baleia branca, um símbolo do mal, do seu próprio mal. E para destruir o próprio mal, destruindo-a, é necessário submeter-se a tudo e enfrentar todos os terrores que a vida reserva. O mar pode estar estanhado tal a calmaria ou rugindo ameaçador. Não importa porque não é mais que um cenário aonde se representa o mundo. As derrotas de Pequod transcorrem em águas exóticas, mas sempre perigosas. O mar como lugar de prova aonde os homens têm que prestar contas. E não a ninguém externo ou superior, senão à própria natureza… -.
Ferreira, por seu turno, deu um modesto e tímido aporte intelectual à reunião; muito parco em palavras, até porque a aguarela de conceitos dos outros dois mestres da retórica, tinha sido empolgante : limitou-se a dizer que não tinha medo do perigo e que a morte não passava de covarde voyeuse, tendo feito alusão, de forma reiterada, aos poemas das canções de Paxi Andion (Marinero esta tu alma teñida de mar, calada de tiniebla y temporal. Tienes la barca comprada y la morada alquilada, del tal modo eres esclavo de la mar, pescador, que el dia de la partida y soltar la ultima amarra no sabes dejar tu alma en tierra adentro varada y al final...al final es en la mar donde la vas a entregar. ) e Jaques Brel (Le Port de Amsterdam), o que já fazia um pequeno “buquet” cultural, não é?!
Zénite foi adiantando que não dominava o léxico náutico, muito menos da marinharia dos descobrimentos. Talvez por isso foi fazendo perguntas a Ferreira, do género: - Vós sois embarcadiço ou tripulante? -, - Vós fazeis parte da tripulação ou da companha? -, - Vós sabeis o que é ir pró c…lho -, coelhinhos que ia tirando cartola, aqui e ali. Bom!, tudo estaria bem desde que mantivesse bem longe a presença de Mona Lisa, e nunca abordo: tenho que fazer a inconfidência de revelar que Zénite era supersticioso ao som da Mona Lisa: não sei se pelo mistério que há no sorriso, se pelo naufrágio do Titanic… ou os dois…

Mais porque o adiantado da noite já era um marco e menos porque a conversa estivesse enfadonha, bem pelo contrário, zénite perguntou: - Dizei-me, aonde fico a dormir? -. -Boa e oportuna pergunta – comentou Pires Silvino. Sugeriu-se que Zénite ocupasse o camarote do Capitão (o mais amplo, mais cómodo e mais bem ornamentado); Silvino tinha reserva no camarote do imediato, e Ferreira, no de sempre, com beliche mais pequeno e um exíguo sofá.
Mostraram-se os aposentos e, desde logo, Zénite ficou maravilhado, até, de novo, com alguma estupefacção ao não suspeitar tanto requinte num navio de pesca. Estendeu-se displicentemente ao longo da cama, vestido. Não consigo imaginar, pela cara de alegria e bem-estar de alma, o que lhe terá passado na cabeça! Recordo, sim, que em mirada perdida deu conta do intercomunicador de latão amarelo lustrado, começando de imediato a falar e dar instruções de navegação, e outras. Para dar alguma verosimilhança ao sonho, subi à ponte do navio e da casa do leme mantive a conversação (roufenha como a que se ouve fanhosa no yellow submarine ou, se preferirem, um som nasalado de Polichinelo ) pelo intercomunicador. Zénite não resistiu em subir à ponte, não fosse ele o capitão em potência. Gostou de ver o cérebro da embarcação pesqueira, as ajudas à navegação, as cartas náuticas; olhou o envidraçamento da casa do leme e sonhou um horizonte a perder de vista, lonje do ruído e tão fértil em criações pictóricas;, teceu considerações e aproveitou para citar, sem referência a algum dos presentes, creio eu, Jorge Amado em os Velhos Marinheiros: “Vasco Moscoso de Aragão, Leão dos Mares, tome do leme e leve-nos às p…tas”.
Um sono pesado tomou conta dos três compinchas.
Já o sol tinha almoçado quando o triunvirato acordou para a vida e se levantou, e eram horas de regressar à baixa e compensar a hipoglicemia reactiva com alguma coisa quente e doce.
Prestes a deixar o arrastão, já de saída e no convés, com Zénite em olhada perdida e nostálgica pela parafernália de pesca instalada no convés, talvez a querer perguntar para que servia tão grande guincho à borda, deparou-se, não sabe se por coincidência, se por intencionalidade, com alguém bastante esbodegado, que dardejava olhares de poucos amigos e não parecia bom de assoar, que media as três aves raras que se escapuliam do seu navio, inquisitorial: não era difícil abrir-lhe o ferrolho da alma uma vez que a intenção de desagravo ou de molhar a sopa estava-lhe escrita na cara: forte reprimenda, no mínimo! Os embarcadiços furtivos, anteciparam-se com fala humilde e ingénua, apostando no efeito surpresa, a deitar água na fervura: - Bom dia contramestre! -, Este não respondeu com cordialidade ao cumprimento, limitando-se a dizer enviesadamente para o infinito: - O Boi é quem tem mão nisto, sempre! Estivemos na iminência de ir parar ao Mar da Palha para fundear na companhia da Fragata Dom Fernando, e ninguém quis saber se o Boi precisava de ajuda ou não!, Folga cabos, caça cabos, num vaivém, toda a noite: um inferno e um calvário no mesmo barco -, recalcitrava o contramestre. - Boi é quem aguenta isto… -, e repetia o estribilho até à exaustão, olhando o infinito! Bom! Também não ia longe se direccionasse a crítica a qualquer lado do já citado triângulo humano. - Até logo contramestre! - `Torna-se necessário abrir aqui um parentesis para explicar que "isto do Boi", contramestre do Bissaya Barreto, o homem de boa medra que ensinava a “pescar” cagarras por entre os Icebergues dos mares da Terranova, nada tem a ver com qualquer episódio de infidelidade ou "menage à quelqu’un", de que ele tenha sido alvo, mas estritamente com o aspecto atarracado, sebento e gordito do seu corpo que, expelindo broncos modos em vocabulário limitado, fazia jus à sua natureza truculenta, a que acabou por associar a figura taurina, por nela achar, certamente, um bom modelo para o seu auto-retrato.
Desceram o portaló e dirigiram-se à paragem do eléctrico da Carris que os levaria de regresso ao Rossio.
Já instalados no suma pau do eléctrico, a paisagem que lhes chegava através das vidraças, começava a encaixar no cenário fantasmagórico descrito por Boi; as pessoas que seguiam na carruagem deixavam sair comentários que apontavam para a réplica do dilúvio… Zénite e Cia começavam a temer que a Arraia-miúda, a do signo do mexilhão, tivesse pago cara factura com a ocorrência do insólito meteoro. Coçavam-se, apreensivos, pelo desconhecimento absoluto da tragédia que lhes passou ao lado, com a pele a salvo. Mas apenas, e só, a satisfação de saber que algo raro tinha acontecido sem lhes ter bulido minimamente com a comodidade e com o à-vontade, superava todo e qualquer remorso.
Aliás, toda essa noite navegaram mar a dentro, mergulhados num azul delirante ao encontro da ilha deserta onde se refastelaram no deserto do descanso e total libertação; como peixes à solta num mar de velas calmas, perdidos sob um céu azul imenso num mar imenso, perfumado e vivo.
Temiam, ter de se refugiar no silêncio durante anos, o que viria a acontecer, por vergonha. Não poderiam ser efusivos com amigos, porque o relato cairia no ridículo ao não transbordar humor, nem trazer qualquer suspense, nem alegrias desmedidas; só tristezas de cortar o coração, pelo peso da tragédia. E, por mais que se esforçassem em fazer cócegas, não importa a aguarela humana, seriam sempre mais mornos que excitantes. Qualquer intenção programática de fazer fornicoques não teria êxito; quando muito acção de desassombrar. Experienciaram, a catarse e o êxtase, a memória, o cheiro e a musicalidade de momentos prazenteiros salpicados de sentimentos extremos de alma que, a desvanecer-se em lume brando, lhe prolongarão infinitamente o paladar dessa sabatina, aquando do desembuçar da miríade de pilhérias, escultura a canivete, esculpida na árvore dessa noite de Baco, invernosa e diluviana, de alienação total… para a eternidade!
O eléctrico parou no Rossio, compraram avidamente um jornal que sobrasse, ainda, nas bancas e dirigiram-se ao Café Nicola, para o pequeno-almoço; seriam as três horas daquela tarde cinzenta e triste.
- Café com leite e torradas!-, pediram em uníssono! Estenderam o jornal em cima da mesa e o que liam não lhes dava a verdadeira dimensão da tragédia: que afogou cerca de cinco centenas de vivos. A realidade nua e crua chegaria de forma esparsa, a conta-gotas e mais ou menos filtrada; nos seguintes extractos da época:

Comércio do Funchal : «nós não diríamos: foram as cheias, foi a chuva. Talvez seja mais justo afirmar: foi a miséria, miséria que a nossa sociedade não neutralizou, quem provocou a maioria das mortes. Até na morte é triste ser-se miserável. Sobretudo quando se morre por o ser»...

Ao Mestre e ao Diabo (não lhes acontece um…) pinta-lhes a sorte ao retardador!

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